ENTREVISTA
Entrevista de Cid Benjamin a Rosa Freire d’Aguiar em 7 de julho de 2025.
Rosa Freire D’Aguiar — O seu livro “Democracia sempre!” aborda a nossa história recente. Vai da década de 1930, quando Getúlio Vargas chegou ao poder, até a promulgação da atual Constituição federal, em 1988, que trouxe de volta a democracia. Por que você se fixou neste recorte histórico?
Cid Benjamin — Este tempo marca o Brasil moderno, industrializado e contemporâneo. Para se compreender o que é o que somos hoje é preciso se debruçar sobre ele. Foi um período em que, também, houve importantes mudanças no mundo que impactaram decisivamente nosso País.
RFA — Entre altos e baixos, o Brasil, já com a nova Constituição, atravessou presidências democráticas. No entanto, em 2018 tivemos um retrocesso, com a extrema-direita chegando ao poder com a eleição de Bolsonaro. Como explicar essa oscilação política que tanto nos afetou e ainda nos ameaça?
CB — Não só no Brasil há ameaças desse tipo. Este é um fenômeno global. Mas a construção da democracia é, em todo o mundo e em todos os tempos, um processo de aperfeiçoamento contínuo. Novos desafios surgem e novas condições se apresentam. Isso acontece mesmo em sociedades mais maduras e em democracias consolidadas. Com muito mais razão ocorre em países em que os valores democráticos não estão plenamente consolidados, como o nosso, que mantém marcas do autoritarismo da monarquia e de tantos séculos dessa chaga que foi a escravidão.
RFA — Com uma linguagem clara, didática, apoiada em fotos e glossários e uma diagramação que facilita a leitura, você escreveu “Democracia sempre!” pensando nos leitores mais jovens, e que conheceram menos a realidade das últimas décadas. Como você vê o ensino da nossa história recente (digamos, os últimos cem anos) nas escolas brasileiras?
CB — Vejo com preocupação. Não por acaso o público-alvo desse livro é a juventude. A denúncia da desigualdade social, motivo de vergonha para todos com um mínimo de sentimento humanista, deveria estar presente de alto a baixo no estudo da nossa história. O eixo condutor para a compreensão do Brasil deveria ser a herança da escravidão, que ao longo de séculos foi o sustentáculo da sociedade. Se isso tivesse acontecido, o ensino da história ajudaria a despertar os brasileiros — desde os bancos escolares — para as iniquidades que sempre marcaram o País e se mantêm até hoje.
RFA – Você foi um dos muitos brasileiros que, na juventude, participou da resistência armada à ditadura militar instaurada em 1964. Em 1969 foi protagonista do primeiro sequestro de um diplomata estrangeiro — ninguém menos que o embaixador dos Estados Unidos — usado para a libertação de presos políticos. O que o fez abraçar essa opção?
CB — A ditadura não nos retirou apenas as liberdades e instituiu a tortura e o assassinato de opositores políticos. Fez mais do que isso. Manteve e aprofundou a exclusão social. Os espaços para o exercício da oposição por vias democráticas eram limitados. Claro que isso não significa que pegar em armas naquele momento tenha sido uma opção acertada do ponto de vista político. Não foi. Mas não por falta de legitimidade. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece o direito à revolta contra a opressão. Mas a autocrítica que faço por ter participado da guerrilha se deve ao fato de que, naquelas circunstâncias, ela não seria eficaz para promover as mudanças que boa parte da sociedade desejava. Mas foi justificada e aceitável do ponto de vista ético. Vale, inclusive, lembrar os exemplos da Revolução Cubana, da resistência nos países ocupados pelo nazismo e da luta do povo vietnamita contra a agressão norte-americana.
RFA — Você pagou um preço alto por sua participação na resistência à ditadura. Ainda jovem, teve que viver na clandestinidade. Foi preso e torturado. Viveu exilado, banido do País, durante dez anos. Hoje, mais de cinco décadas depois, como você avalia a aquela opção pela guerrilha?
CB — Não me arrependo da opção pela militância política. Pelo contrário: me orgulho de ter feito parte de uma geração que, arriscando a vida, se jogou de cabeça na luta pela democracia e pela justiça social. Quando perguntado se faria tudo de novo, costumo responder que sim, ainda que de forma diferente. Lutar por ideais é uma das formas de uma pessoa ser feliz. E uma das formas mais dignas. Não me considero uma vítima.
RFA — Que balanço você faria da democracia no Brasil? O que nos falta consolidar? Como é possível falar em democracia plena num país com tantas desigualdades sociais e regionais?
CB — Nos falta consolidar muita coisa. As chagas sociais limitam enormemente uma democracia substantiva. Se você sair à rua agora, vai encontrar famílias inteiras dormindo embaixo de marquises, muitas delas sem ter comido hoje e sem saber se comerão amanhã. Que condições tem essa gente de exercer plenamente a cidadania?
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