Eu acordo todos os dias com um peso no peito que não é meu, mas de todas nós. É uma angústia silenciosa que se instala logo no primeiro gole de café, enquanto os olhos percorrem as notícias e encontram, inevitavelmente, mais um nome, mais um rosto, mais uma vida interrompida. Sinto um arrepio que percorre a espinha ao perceber que, neste exato momento, em algum lugar do mundo, uma mulher está sendo silenciada simplesmente por ser quem é.
O feminicídio não é uma fatalidade e, pelo amor de Deus, nunca foi um "crime de paixão". Não existe amor no rastro de sangue, no controle sufocante ou no olho roxo escondido por trás da maquiagem. O que existe é um ódio ancestral, uma cultura doente que nos enxerga como objetos de posse, como troféus ou propriedades que podem ser descartadas quando deixam de servir ao ego de alguém. É desesperador saber que, para tantas de nós, o lugar que deveria ser o porto seguro — a nossa própria casa — é, na verdade, a antecâmara de um necrotério.
No Brasil, essa ferida sangra de um jeito que parece não ter cura. Dói na alma ver o meu país no topo de uma lista tão vergonhosa. Aqui, a gente morre aos poucos antes do golpe final. Morremos no descaso da delegacia que não nos ouve, no juiz que questiona a nossa roupa, na vizinhança que se cala enquanto os gritos atravessam as paredes. O que me mata por dentro é saber que a maioria dessas mulheres gritou por socorro. Elas tinham papéis nas mãos — medidas protetivas que prometiam segurança, mas que se provaram inúteis diante de um agressor que se sente acima da lei e da vida.
Sinto uma revolta que queima quando ouço a frase "se não for minha, não será de mais ninguém". Essa sentença é a assinatura do nosso extermínio. É o resumo de uma masculinidade frágil e violenta que prefere ver um corpo estendido no chão a aceitar a liberdade de uma mulher. Viramos estatística, números frios em tabelas de governo, mas cada um desses números tinha sonhos, tinha um perfume favorito, tinha filhos que agora buscam o colo de uma mãe que não vai mais voltar.
Não aguento mais enterrar irmãs que nunca conheci, mas que sinto como parte de mim. O feminicídio é o grito final de um sistema que nos quer submissas ou mortas. Minha voz hoje treme, não de medo, mas de uma indignação que não cabe mais no peito. Não queremos ser corajosas para andar na rua ou para terminar um relacionamento; queremos apenas o direito de estar vivas. Queremos que o nosso "não" seja o fim da conversa, e não o início de uma sentença de morte. Pelo direito de respirar sem o peso dessa sombra, nós não aceitaremos mais o silêncio.

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