Na era do swipe, a música virou dado de compatibilidade e marcador emocional.
Foto: Freepik | CO ASSESSORIA
Na era dos encontros mediados por tela, a música deixou de ser trilha de fundo para virar dado de perfil. Em aplicativos como Tinder e Bumble, ela aparece ao lado de fotos e mini-bios, funcionando como atalho para algo que nenhum texto entrega com tanta precisão: o clima emocional de alguém.
Nos últimos anos, o Tinder integrou o Spotify e popularizou o Anthem, a música-tema exibida no topo do perfil. O Bumble foi além da descrição genérica de “gosto de tudo um pouco” e passou a exibir artistas mais ouvidos, destacando quando há nomes em comum entre os dois perfis. Na prática, esses recursos formalizam algo que já acontecia nas conversas de madrugada e nas trocas de links. Antes de falar sobre trabalho ou signo, muita gente quer saber que som o outro leva para o banho, para a festa ou para a insônia.
Por trás dessa mudança está a percepção de que o gosto musical funciona como um marcador social bastante preciso. Ele não revela apenas o gênero preferido, mas mostra ritmo de vida, intensidade emocional, referências culturais e até limites de convivência. Alguém que vive em playlists de funk e eletrônico acelerado comunica busca por alta rotação, enquanto quem passa o dia em lo-fi, R&B e baladas intimistas sinaliza outra forma de ocupar o tempo e o afeto.
Para a DJ Scheila Santos, que se define melosexual, o recorte sonoro funciona como uma radiografia suave das relações. “Não é só que música você ouve, é como você organiza o seu universo musical”, diz. Há quem trate o anthem e as playlists públicas como vitrine cuidadosamente editada para atrair um certo tipo de pessoa, e há quem deixe o algoritmo decidir tudo, entregando um retrato menos polido e mais honesto do momento atual. Em ambos os casos, existe ali uma leitura emocional possível.
Nos aplicativos, essa leitura se traduz em filtros concretos. Muita gente desliza para a esquerda assim que encontra estilos associados a valores ou modos de vida distantes dos seus. À primeira vista, parece uma preferência estética inofensiva. Na prática, a música pode se transformar em critério de exclusão, porque perfis inteiros são descartados por carregarem símbolos sonoros que remetem a imaturidade, intelectualização excessiva, caretice ou extravagância. O match nunca chega a acontecer, mesmo quando outros aspectos poderiam ser compatíveis.
Ver o próprio artista favorito no perfil alheio produz familiaridade, como se os dois já compartilharam uma história anterior ao encontro. A similaridade percebida importa mais do que a coincidência exata e basta um mood em comum para o cérebro completar o resto com afinidades imaginadas. A química começa a partir da promessa de uma trilha compatível. “A playlist virou uma microbiografia afetiva”, sintetiza Scheila. Quase ninguém é exatamente aquilo que exibe ali, mas todos sabem que se trata do primeiro contato emocional com quem está do outro lado da tela.”
Fotos: Divulgação @scheilasantos_ | CO ASSESSORIA
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