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quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Resenha crítica do livro 1964 – O Golpe, o Capitão e o Pum do Maestro: humor, memória e paralelos com a política atual

 


Li recentemente “1964 - O golpe, o Capitão e o Pum do Maestro”, de Fernando Vita, e confesso que a experiência foi, ao mesmo tempo, divertida, reflexiva e desconfortável. O autor faz uma mistura curiosa de humor, memória e ironia para falar de um período sombrio da história brasileira: o golpe militar de 1964. O título já dá o tom: é como se o riso fosse usado como arma para revisitar a tragédia. E, sinceramente, percebi que rir do absurdo talvez seja uma das formas mais honestas de encarar o autoritarismo.

A narrativa se constrói com personagens caricatos e situações que beiram o ridículo, mas que nos lembram que, por trás da farsa, havia dor, censura e violência. O “Capitão”, que representa o poder militar, é tratado quase como uma figura de teatro, enquanto o “pum do maestro” surge como metáfora para aquele barulho inconveniente que ninguém admite, mas que todos percebem. Essa mistura de tragicômico e real deixa claro que a ditadura foi, ao mesmo tempo, uma encenação malfeita e um pesadelo coletivo.

O mais interessante é como o livro dialoga com o presente. Em diversos momentos, ao ler os trechos sobre manipulação, discursos prontos e líderes que acreditam ser donos da verdade, não consegui evitar a comparação com a política brasileira atual. Ainda hoje, temos políticos que se colocam como “salvadores da pátria”, vestem a fantasia de defensores da moral e dos bons costumes, mas usam esse discurso para mascarar interesses próprios. É como se os fantasmas de 1964 ainda rondassem os palanques, apenas com roupas diferentes.

O humor ácido de Fernando Vita também expõe algo que, infelizmente, continua atual: a facilidade com que parte da sociedade aceita soluções autoritárias em nome da ordem. Ontem era a “ameaça comunista”; hoje são narrativas que falam de inimigos invisíveis, de conspirações e da necessidade de alguém “forte” para colocar tudo em seu lugar. Mudam os termos, mas a lógica é a mesma. É o teatro da política se repetindo, só que com atores novos.

Outra camada que me chamou atenção foi como o autor usa o grotesco para lembrar que a história não é só feita de grandes feitos ou tragédias, mas também de pequenas mesquinharias. O “pum” é esse detalhe que desarma a pompa e revela a humanidade – ou a falta dela – daqueles que se acham grandiosos. Isso me fez pensar em como, hoje, as redes sociais fazem um papel parecido: escancaram gafes, mentiras e contradições de quem ocupa o poder, tirando deles a aura de intocáveis.

Ao terminar a leitura, fiquei com a sensação de que rir, nesse caso, é um ato político. Fernando Vita nos mostra que a memória não pode ser apenas solene ou acadêmica: ela também pode ser crítica, debochada e desconstrutora. No Brasil de hoje, onde discursos radicais voltam a ganhar espaço e onde muitos ainda defendem “intervenções” como se fossem soluções mágicas, obras como essa são necessárias para lembrar que o autoritarismo, por mais que se disfarce, sempre tem cheiro ruim – tal qual o pum inconveniente que insiste em marcar presença.




Nota final: “1964 - O golpe, o Capitão e o Pum do Maestro” não é apenas um livro de humor sobre a ditadura; é uma reflexão disfarçada de piada. E talvez seja essa leveza crítica que precisamos para entender o presente e não repetir os erros do passado.

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