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terça-feira, 10 de junho de 2025

Espiritualidade e Tradição: a importância do caminho com raízes, segundo o Babalawo Sergio Ifatokun

 


Vivemos uma era em que a busca por espiritualidade se tornou cada vez mais presente. Em meio ao caos do cotidiano, muitos procuram acolhimento, direção, autoconhecimento e respostas através da fé. No entanto, como explica o Babalawo Sergio Ifatokun — sacerdote de Ifá, Kimbanda e Candomblé com mais de 20 anos de iniciação —, é preciso diferenciar espiritualidade profunda de práticas superficiais que, embora bem-intencionadas, muitas vezes afastam o indivíduo de sua verdadeira essência ancestral.

 

> “A espiritualidade não é uma tendência. É uma herança. E herança precisa ser cuidada, honrada e compreendida com profundidade. A tradição não prende — ela liberta com responsabilidade”, afirma Ifatokun.

 

Espiritualidade não é religião — mas tradição é a base do sagrado

 

A espiritualidade é a vivência do sagrado, uma conexão que transcende dogmas. Ela está presente em diversas culturas e se manifesta de muitas formas. Já a tradição espiritual é o alicerce que sustenta essa conexão, um conjunto de saberes, práticas, códigos, rituais e ética que foram transmitidos por gerações.

 

Nas religiões de matriz africana, como Ifá, Candomblé e Kimbanda, a tradição é o que garante que os rituais, consultas e iniciações aconteçam com segurança espiritual e fidelidade ancestral. Sem essa base, práticas espirituais podem se tornar desordenadas, abrindo espaço para abusos, interpretações equivocadas e até riscos energéticos.

 

> “Quando alguém acende uma vela, joga um búzio ou invoca um orixá sem preparo, sem fundamento, pode estar mexendo com forças que desconhece. A espiritualidade não é um jogo. É preciso respeitar a ciência espiritual dos nossos ancestrais”, reforça o sacerdote.

Por que muitos buscam o sagrado sem tradição?

 

De acordo com estudos do Instituto Datafolha (2022), mais de 60% dos brasileiros se consideram “espiritualizados”, mesmo sem seguir uma religião formal. Esse fenômeno é positivo em muitos aspectos, pois mostra um despertar interior. No entanto, há um crescimento paralelo de práticas espiritualistas superficiais, misturadas, comercializadas e descoladas de qualquer raiz cultural ou ética.

 

Esse "espiritualismo moderno" muitas vezes ignora ou desvaloriza tradições afro-brasileiras e iorubás, tratando Exu, orixás e entidades como “energias disponíveis” para consumo rápido — o que fere profundamente o propósito dessas religiões.

 

> “Ifá, por exemplo, é uma sabedoria oral milenar, com mais de 256 Odùs, versos poéticos e filosóficos que orientam a vida humana. Não é um aplicativo de destino. Exige estudo, humildade, disciplina e iniciação legítima”, explica Ifatokun.

 

A tradição como ferramenta de equilíbrio

 

Tradições espirituais afrodescendentes não apenas conectam o indivíduo ao divino, mas também resgatam identidade, fortalecem autoestima e promovem pertencimento. O culto ao Ori (a cabeça, destino e consciência individual), muito presente em Ifá, é um exemplo claro disso: ao cuidar do Ori, a pessoa se alinha com seu propósito, toma decisões com mais clareza e respeita seu caminho de vida.

 

> “O Ori é o orixá mais importante, porque é ele quem escolhe antes mesmo de nascermos. Se você não respeita seu próprio destino, como vai respeitar os dos outros?”, diz o Babalawo.

 

Além disso, tradições como o Candomblé e a Kimbanda oferecem acolhimento coletivo, valores éticos e respeito à ancestralidade — aspectos fundamentais para quem busca cura, estrutura emocional e equilíbrio espiritual.

 

Caminhar com consciência: dicas de Ifatokun para quem está em busca espiritual

 

1. Respeite as religiões e tradições – Nenhuma fé é melhor do que outra. Cada pessoa tem seu caminho, sua missão e seu tempo de despertar.

2. Busque sacerdotes e casas com linhagem e responsabilidade – Conheça a origem, pergunte sobre a formação e não confie em rituais feitos às pressas ou por redes sociais.

3. Entenda antes de se iniciar – A iniciação é um renascimento. Exige tempo, preparo e entrega. Não faça por curiosidade ou desespero.

4. Cuide do seu Ori – Consulte oráculos verdadeiros, escute os conselhos espirituais e alinhe seu caminho com seu destino.

5. Evite o sincretismo sem estudo – Misturar religiões sem conhecer suas bases pode criar confusão espiritual. Honre cada tradição como ela é.

Conclusão: Espiritualidade com raiz é caminho de verdade

 

Espiritualidade não precisa ser institucionalizada, mas ela precisa ser respeitada. A tradição é o que dá forma, ética e profundidade ao sagrado. E, como lembra Babalawo Sergio Ifatokun, honrar a espiritualidade é, antes de tudo, honrar a si mesmo e aos que vieram antes.

 

> “Você pode ter fé sem religião, mas não terá firmeza espiritual sem tradição. O que sustenta o orixá, o guia ou o santo que você cultua é o axé da ancestralidade. E axé sem raiz é folha ao vento”.

Balawo Sergio Ifatokun

Formaçao e Iniciações

Iniciado no culto de Ifá, Ifatokun, pelo Oluwo Alabi, passou por rigorosos processos de aprendizado e consagração dentro da tradição, tornando-se um Babalawo – título concedido aos sacerdotes responsáveis pela consulta ao oráculo de Ifá e pela condução de rituais de destino, proteção e prosperidade. Seu treinamento envolveu anos de estudo dos versos do Odu Ifá, domínio da leitura dos ikins (sementes de dendê consagradas) e do opele (corrente divinatória), além da realização de eboris (rituais de assentamento da cabeça) e iniciações que conectam a pessoa ao seu orí destino.

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