Pouco conhecida no país, a violência vicária é um tipo de agressão emocional e/ou psicológica praticada na maioria dos casos por pais contra mães, em que filhos e filhas são usados como instrumento de vingança ou controle. O termo, ainda em processo de maior reconhecimento jurídico no Brasil, é desconhecido por boa parte dos advogados. De toda sorte, aos poucos, passa a ser discutido com mais força nos tribunais e tem ganhado visibilidade em debates sobre violência de gênero.
Segundo o advogado Renê Freitas, especialista em direito de família com foco no público feminino, a violência vicária é uma forma de manter o ciclo de abuso mesmo após o fim da relação.
“É quando o agressor usa terceiros, na maioria dos casos o próprio filho, como ferramenta para continuar a ferir a mulher, geralmente após o rompimento do relacionamento. Ele sabe que, ao atingir o filho ou dificultar o vínculo entre mãe e criança, causa dor psicológica profunda. O alvo é a mãe, o filho é apenas um instrumento para a violência ser efetivada”, explica Freitas.
A violência vicária pode se manifestar de maneiras diversas, muitas vezes disfarçadas de atitudes legais ou cotidianas. Entre as formas mais comuns estão a alienação parental — quando o agressor manipula emocionalmente a criança para que ela rejeite ou tema a mãe —, e as ameaças de retaliação, como tirar a guarda ou desaparecer com o filho.
Também é frequente a negligência proposital, em que o responsável se recusa a cuidar adequadamente da criança com o objetivo de atingir emocionalmente a mãe. Outra prática recorrente é o chamado abuso judicial: o uso constante e distorcido do sistema de Justiça para afastar a mulher dos filhos ou levá-la à exaustão emocional e financeira.
“A violência vicária está quase sempre escondida em atos dissimulados, o que dificulta a sua caracterização. Enquanto a nossa sociedade não estiver atenta para esse tema, mães continuarão aprisionadas num ciclo de violência, mesmo após o término do relacionamento conjugal”, explica o advogado.
Um conceito recente, mas urgente
O termo violência vicária surgiu na Espanha, onde foi reconhecido como crime em 2021. No Brasil, ainda não há legislação específica, mas casos do tipo têm sido enquadrados como violência psicológica ou moral, especialmente à luz da Lei Maria da Penha.
“Já temos meios legais de proteger essas mulheres, mas precisamos avançar para que a violência vicária seja reconhecida com a gravidade que tem. É uma violação não só contra a mulher, mas também contra o direito da criança de viver em um ambiente afetivo e seguro”, defende Freitas.
Além do sofrimento imposto à mulher, a violência vicária também compromete o desenvolvimento emocional da criança, que é envolvida em um conflito que não compreende e muitas vezes se vê obrigada a escolher um lado. Especialistas em saúde mental alertam para o risco de traumas, depressão infantil, baixa autoestima e insegurança emocional duradoura.
Como identificar e buscar ajuda
A violência vicária pode ser silenciosa, mas deixa sinais que não devem ser ignorados. Um dos indícios mais comuns é quando a criança começa a repetir frases negativas sobre a mãe, mesmo sem ter vivenciado situações que justifiquem esse comportamento. Outro alerta é o afastamento repentino e sem explicação da criança em relação à mãe, ou ainda quando o genitor responsável se recusa a cumprir acordos formais de guarda e visitas.
“O desejo de prejudicar a ex-mulher é tão intenso que o agressor em nada se importa com os desdobramentos negativos diretos que o seu ato possa causar ao próprio filho, quando este é utilizado como instrumento da violência”, destaca Renê.
Diante desses sinais, é fundamental buscar ajuda especializada. Casos de violência vicária podem ser denunciados nos Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), na Defensoria Pública, nos Conselhos Tutelares e também pelo Disque 180, um canal nacional de apoio a mulheres em situação de violência. O acolhimento jurídico e psicológico é essencial não apenas para proteger a mulher, mas também para garantir o bem-estar da criança.
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