“Folha de Rosto” mescla poesia e narrativa para contar a história de um casal em meio aos conflitos sociais do Brasil recente
Em "Folha de Rosto", lançado pela Mondru Editora, Leonardo Simões (@LeonardoCsimoes_) mergulha nos temas da identidade, racialidade e relacionamentos, refletindo sobre como as tensões políticas dos últimos anos impactaram laços afetivos e individuais. Escrito entre 2018 e 2022, o trabalho surgiu como um desdobramento de "Arquipélago", peça vencedora do III Concurso de Dramaturgia Flávio Migliaccio, e ganhou forma como um "romance em poemas", no qual cada capítulo revela fragmentos da vida de um casal em meio ao caos social.
"Desde 2016, o país vive em estado de alerta. Especialmente entre 2018 e 2022, essas questões se levantaram de maneira muito efusiva", comenta o autor. A obra questiona até que ponto relacionamentos são desfeitos apenas por conflitos pessoais ou se as pressões externas — políticas, raciais e culturais — têm peso decisivo. "Um casal termina somente pelo relacionamento entre os dois, ou a influência externa tem esse poder?", provoca.
Com uma escrita que oscila entre o lírico e o narrativo, "Folha de Rosto" dialoga com a busca por uma voz literária, tema que também permeia a jornada de um dos personagens. O autor revela que a poesia foi seu primeiro contato com a escrita ainda na infância e que, para finalizar o livro, releu a obra completa de Ferreira Gullar, sua principal influência. "Ele é mais do que uma referência, é um guia", frisa. A estrutura fragmentada da obra reflete a própria fragmentação identitária vivida pelo protagonista, que navega entre questões políticas, raciais e afetivas.
Para Leonardo, a publicação marca uma virada em sua trajetória: "Foi importante para experimentar a literatura pelo outro lado da bancada, entender melhor como abordar alguns temas". Com mestrado em Educação, Arte e História da Cultura e atuação na publicidade desde 2014, o autor alia disciplina profissional à liberdade criativa.
Sobre o autor
Leonardo Simões (Patrocínio, MG, 1990) é mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em Marketing e Comunicação Integrada. Radicado em São Paulo desde 2010, trabalha com criação publicitária desde 2014. Venceu o III Concurso Nacional de Dramaturgia Flávio Migliaccio (2024) e foi finalista do Prêmio Solano Trindade no mesmo ano.
"Folha de Rosto" é seu primeiro livro. Agora, o autor finaliza seu primeiro romance e segue como colaborador do Jornal Nota, onde publica resenhas teatrais.
Confira um trecho de "Folha de rosto":
pretinho,
me chamavam de pretinho.
Minha mãe não gostava, meu pai não ligava.
Meu primeiro e-mail, feito quando a internet era só um
fio na madeira,
era nome + pretinho. E todos os arrobas que
emprestavam conexões com os mundos não me
enxergavam de outro modo.
Quando se é pretinho, cabe-se em todos os esconderijos.
Escondem as ordens de fora, os mortos do extremo e
aquela maldição que a caixa do supermercado diz ao
dono quando dois meninos pretinhos entram no corredor
de bolachas/biscoitos.
Chama-me pretinho, e eu obedecerei. Num é?
Pois foi.
E aí, ficou nisso a vida inteira…
Essa indecisão de cor.
Pretinho é camaleão, sabe?
Fica mais claro conforme o ambiente onde o colocam.
Na casa da minha avó de parte de mãe, eu não era
pretinho.
Era moreno.
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