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quinta-feira, 24 de abril de 2025

Ingeborg Bachmann: uma voz essencial da literatura do século XX

 

Romance da escritora austríaca foi o único de uma trilogia a ser concluído e faz uma representação literária à altura de uma Viena fragmentada pela história de violência

Título: Malina

Autor: Ingeborg Bachmann

Tradução: Carla Bessa

ISBN: 978-65-86068-01-6

Formato: 14 x 21 cm / 352 páginas

Lançamento: 30/04/2025

Preço: R$94,00 

 

Em Malina, originalmente publicado em alemão em 1971, Ingeborg Bachmann convida o leitor a um mundo estendido aos limites da linguagem. Uma narradora, que trabalha como escritora em Viena, está dividida entre dois homens: vista através do prisma basculante da obsessão, ela viaja em profundidade dentro das próprias loucuras, ansiedades e genialidades. Malina explora o amor, as várias faces da morte, a raiz do fascismo, a paixão.


Bachmann conta a história de vidas dolorosamente entrelaçadas: a narradora, assombrada por memórias aterrorizantes de seu pai, vive com o andrógino Malina, um homem inicialmente distante e frio que acaba se tornando uma influência ameaçadora. Construído para culminar em um desfecho fascinante, Malina desnuda brutalmente a briga pelo amor e os limites do diálogo entre mulheres e homens.


Parte integrante da trilogia Maneiras de morrer, este romance de Ingeborg Bachmann, o único dos três que ela concluiu, serviu de modelo para muitos escritores por ser tão rico não só em conteúdo, mas também em forma. Os leitores encontrarão, na história contada em Malina, prosa descritiva, narrativa, poética, assim como poesia em versos, diálogos dramático à maneira de peças teatrais, em uma viva metamorfose narrativa.

Com um enigmático trio amoroso entre um amante distante, um companheiro cínico e uma narradora frágil e apaixonada, Malina ilustra tanto a busca por uma identidade fragmentada, que aliás se espelha nessa forma indefinível, quanto por uma narrativa possível numa Viena abandonada pela História.


É também um campo de memória que evoca o encontro da autora com Paul Celan, o imenso poeta que ela "amou mais que a própria vida", num discurso sobre a loucura e as queimaduras que ela acarreta: cremação de livros num passado trágico ainda recente, também premonição do fim da autora.


A tradução da obra ficou a cargo de Carla Bessa. Além de Ingeborg Bachmann, traduziu outros autores de língua alemã como Max Frisch e Thomas Macho. Também é autora de ficção, com destaque para o livro de contos Urubus, que foi traduzido para diversas línguas, ganhou o prêmio Jabuti e ficou em segundo lugar no Prêmio Clarice Lispector, promovido pela Biblioteca Nacional.

SOBRE A AUTORA

INGEBORG BACHMANN nasceu em Klagenfurt, Áustria, em 1926. Escreveu uma tese de doutorado que trata de Heidegger e Wittgenstein. Trabalhou inicialmente como roteirista de radionovela. Aclamada como poeta, escreveu também contos, este romance e libretos de ópera, além de ter assinado traduções. Sua carreira literária foi impulsionada pelo escritor Hans Weigel e pelo círculo literário conhecido como Gruppe 47, do qual fizeram parte Günter Grass, Heinrich Böll, Paul Celan, Peter Weiss, entre outros. A relação com o escritor suíço Max Frisch, toda imbuída de proximidade e estranhamento, admiração e rivalidade, ciúmes e impulsos destrutivos, revela também a dificuldade de morar e escrever sob um mesmo teto. Ao cabo de cinquenta anos, o veto à publicação da correspondência entre eles foi derrubado pelo irmão, sendo publicada em 2023. Outra correspondência de Bachmann também publicada é a com Paul Celan, em que se pode ler um diálogo íntimo e literário que durou anos. Da parte dela, o que se pode observar nas cartas são discussões sobre forma literária, política, luta pelo reconhecimento feminino dentro de uma sociedade patriarcal, entre outros temas que a seu modo também se encontram neste Malina.


No Brasil, tem publicada a antologia O tempo adiado e outros poemas (Todavia, 2020). Faleceu em Roma, aos quarenta e sete anos, por complicações de queimaduras e intoxicação depois do incêndio em seu apartamento provocado por um cigarro mal apagado.

TRECHOS


“Nessa noite compreendi que eu não pretendia me ocupar nem com arte, nem com tecnologia, nem com a nossa era, que jamais me debruçaria sobre nenhum dos temas, contextos ou problemas ali tratados publicamente, e tive a certeza de que queria Malina e que tudo o que eu queria saber teria que vir dele.” (p. 7)


“Temos sorte eventualmente, mas a maioria das mulheres não deve ter sorte nunca. O que quero dizer não tem nada a ver com o fato de que aparentemente existem alguns poucos bons amantes, até porque eles não existem. Isso é uma lenda que precisa ser extinta um dia, no melhor dos casos existem homens com os quais a situação é absolutamente desesperadora, e outros com os quais não é tão desesperadora assim.” (p. 282)

 

“[...] como havia tempos as pessoas se perguntavam o que virá após a morte, com o mesmo grande ponto de interrogação inútil, porque é algo inimaginável. Só sei que não sou mais como era antes, não conheço melhor nem um fio de cabelo de mim mesma, não me aproximei em nada de mim. É sempre a desconhecida trespassando uma desconhecida.” (p. 305)

 

 

“malina Receio que você esteja realmente ficando louca.

eu Nem tanto. E não fale como (pianopianissimo) Ivan.

malina Não fale como quem?

eu (abbandonadosisottovoce) Ame-me, não, mais do que isso, ame-me mais, ame-me inteiramente, para que tudo isso acabe logo.” (p. 307)


“Malina realmente não esconde nada, pois, no melhor dos sentidos, não tem nada a dizer. Ele não toma parte na confecção desse grande texto, essa textura que se alastra, e a grande urdidura vienense ganha buracos que surgiram unicamente através de Malina. E por isso mesmo ele é a negação mais extrema de todo tipo de incitação, estímulo, divulgação, irrupções, justificações — e do que teria Malina que se justificar?” (pp. 310-311)


“eu (forte) O que o meu eu tem que seja pior que os outros?

malina Nada. Tudo. Pois tudo o que faz é em vão. Eis o imperdoável.

eu (piano) Ainda que seja imperdoável, quero continuar me dispersando, me perdendo, me desnorteando.

malina O que você quer já não conta. A certa altura, você não terá mais querer. Você será tão você mesma que poderá abdicar do seu eu. Neste único ponto, o mundo será salvo por alguém.” (p. 324)

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