A violência obstétrica, muitas vezes invisível e silenciosa, afeta milhares de mulheres no Brasil. Apesar dos avanços na legislação e da crescente conscientização, a prática pode se manifestar de diversas formas, desde intervenções médicas realizadas sem o consentimento da mulher até comentários humilhantes que desqualificam a mãe durante o parto.
A psicóloga perinatal e autora de centenas de trabalhos científicos sobre saúde mental materna, Rafaela Schiavo, explica que essa violência não se limita a atos físicos ou verbais diretos.
Outras formas de violência que você pode não reconhecer
Rafaela Schiavo alerta que muitas práticas hospitalares, vistas como comuns, podem ser formas de violência obstétrica. “Intervenções como a aplicação da ocitocina sintética, conhecida como 'sorinho', para estimular contrações, e a realização de episiotomias, sem evidências científicas de sua necessidade, são frequentemente realizadas sem o consentimento informado da mulher”.
Além disso, procedimentos como a manobra de Kristeller, que envolve pressionar a barriga para acelerar o parto, podem causar danos físicos e emocionais graves, mas muitas vezes são aceitos como normais por falta de informação.
Casos como os de Shantal Verdelho e Patrícia Poeta ilustram como essa violência pode ser sutil ou explícita. Shantal, por exemplo, percebeu a gravidade do que sofreu apenas ao assistir ao vídeo de seu parto. Já Patrícia Poeta levou anos para entender o impacto do que vivenciou durante o nascimento de seu filho.
Dados preocupantes e como as leis podem ajudar
Estudos recentes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelam que 45% das mulheres entrevistadas relataram ter sofrido algum tipo de violência obstétrica. A pesquisa, que abrangeu mais de 24 mil mulheres em 465 maternidades no Brasil entre 2020 e 2023, revelou que as mulheres negras, com baixa escolaridade e usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), são as mais vulneráveis a essa prática. Schiavo ressalta que “as estatísticas mostram a necessidade urgente de maior conscientização e de políticas públicas eficazes”.
Alguns estados brasileiros, como Ceará, Distrito Federal e Pará, já implementaram leis para proteger as mulheres contra a violência obstétrica. Além disso, a Lei Nº 14.721, sancionada em novembro de 2023, ampliou a assistência à gestante e à mãe, garantindo apoio psicológico durante a gravidez, o parto e o pós-parto. “Essa lei é um avanço importante porque oferece suporte psicológico para mulheres em um momento tão vulnerável, mas ainda é essencial que as gestantes conheçam seus direitos para poderem identificar e denunciar qualquer forma de abuso”, reforça a psicóloga.
Outras dúvidas comuns
Muitas incertezas surgem quando as mulheres se deparam com a violência obstétrica. Entre as mais comuns, estão:
O que eu faço se fui vítima de violência obstétrica?
Se você suspeita que foi vítima de violência obstétrica, o primeiro passo é buscar apoio e orientação. Você pode relatar o caso na ouvidoria do hospital, consultar um advogado especializado ou buscar ajuda em grupos de apoio. Em situações mais graves, a denúncia pode ser feita no Conselho Regional de Medicina ou na delegacia de polícia.
Quais direitos eu tenho durante o parto?
É fundamental que as mulheres saibam que têm o direito de escolher quem as acompanha durante o parto, de ser informadas sobre todos os procedimentos que serão realizados e de recusar qualquer intervenção com a qual não se sintam confortáveis. Além disso, têm o direito de receber alívio para a dor e de ser tratadas com respeito e dignidade durante todo o processo.
O que posso fazer se perceber que o médico está sendo negligente ou desrespeitoso?
Se, durante o parto, você sentir que o médico está agindo de forma negligente ou desrespeitosa, peça para falar com a equipe médica e deixe claro que você não consente com aquele tratamento. Caso a situação não melhore, solicite a presença de um advogado ou faça um registro formal do ocorrido assim que possível.
Posso denunciar a violência obstétrica mesmo depois de algum tempo?
Sim, você pode e deve denunciar a violência obstétrica mesmo após o ocorrido. Ainda que o parto tenha acontecido há meses ou até anos, é importante relatar o caso para que outras mulheres não passem pelo mesmo. Guarde toda a documentação e procure um advogado especializado para ajudar no processo.
O que você precisa saber para se proteger
Schiavo ressalta a importância de se informar e agir rapidamente. “É essencial que as mulheres reconheçam e denunciem qualquer sinal de abuso. Embora seja importante manter um histórico claro das conversas e intervenções, toda paciente tem o direito de solicitar e acessar seu prontuário médico após o parto. Dessa forma, ela pode viver o momento do parto com tranquilidade, sabendo que poderá revisar o que aconteceu depois. A denúncia é uma forma de garantir que outras mães não passem pelo mesmo. A saúde e a dignidade das gestantes devem ser sempre protegidas”, conclui.
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