trechos
“— O gancho se soltou — disse Reiko de súbito, como se falasse sozinha.
— Gancho?
— É — respondeu ela. — O gancho que prendia meu pai, minha mãe e eu se soltou. Já não tem mais conserto.
Como será que é o som de quando o gancho que une uma família se solta? Parecido com o som de quando as sementes da fruta se espalham? Ou como o de uma explosão quando produtos químicos provocam uma reação?” (A piscina, p. 30)
“Sim, sem dúvida o momento mais bonito de Jun era depois que ele saltava da plataforma até chegar à superfície de água, quando estava no ar. Tudo dele — as palavras e os gestos gentis — caía envolvido pela beleza de seus músculos. ‘É por isso que sempre fico te olhando na piscina’, murmurei dentro do meu coração.” (pp. 37-38)
“Doze semanas, ou seja, quarto mês de gravidez. Os enjoos da minha irmã continuam. Eles não a deixam, como se fossem uma blusa encharcada que gruda no corpo.
Como imaginei, minha irmã foi se consultar com o doutor Nikaido hoje. Os nervos, os hormônios e as emoções dela estavam à flor da pele.
Como sempre fazia quando procurava o doutor Nikaido, minha irmã gastou muito tempo para escolher as roupas que usaria. Estendeu vários casacos, saias, suéteres e echarpes na cama e ponderou com seriedade. E se maquiou com mais capricho que o normal. Será que meu cunhado não fica com ciúmes ao ver minha irmã fazendo isso? Fiquei preocupada.” (Diário de gravidez, p. 81)
“Comecei a sentir um aperto no coração. A palma da minha mão que continuava aberta foi ficando dormente e pesada. As gotas que não tinham para onde ir se encolhiam dentro dela.
— Talvez seja sangue — tentei falar em voz alta. Mas, por causa do som do bater de asas, não consegui ouvir direito minha voz.
“Sim, essa sensação é de sangue. Será que alguma vez já toquei em sangue tão fresco assim? Acho que o maior volume de sangue que vi até agora foi quando uma moça foi atropelada bem diante dos meus olhos. Eu tinha dez anos e estava voltando de uma pista de patinação no gelo. O sangue corria sobre os sapatos de salto alto, a meia-calça rasgada e o asfalto. Era viscoso e espesso. Como essas gotas.”
— Acorde, professor — chamei e sacudi seu corpo. A manta ficou suja de sangue. A gota de sangue caiu na ponta do meu chinelo. — Professor, acorde, por favor.” (Dormitório, p. 160)
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