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quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Estação Liberdade publica Os elixires do Diabo, seu terceiro livro de E.T.A. Hoffmann, alemão que influenciou Dostoiévski e Edgar Allan Poe

 

Título: Os elixires do Diabo

Autor: E.T.A. Hoffmann

Tradução, prefácio e notas: Maria Aparecida Barbosa

Texto de orelha: Sabrina Sedlmayer

ISBN: 978-65-86068-62-7

Formato: 14 x 21 cm / 368 páginas

Preço: R$68,00 

 

O monge capuchinho Medardo, narrador para lá de carismático, revela aos leitores como foi que se envolveu num mistério contra a sua vontade. Após tomar um gole de um vinho suspeito, ele deixa o mosteiro em que vive, abandona o hábito e vai a Roma.


Na jornada, uma espécie de busca pela própria identidade que não cessa de fragmentar-se, Medardo se depara com uma série de figuras curiosas, desde aristocratas, passando por um excêntrico peruqueiro, até o Diabo em pessoa, segundo ele. Confronta-se também com seu duplo em algumas ocasiões, e a ambiguidade dos personagens assume contornos literários que dão à história, já muito intrigante, nova camada de complexidade narrativa que atrai ainda mais ao desfecho.


O tema do duplo foi explorado por muitos autores, como os clássicos Dostoiévski em seu romance O duplo e Edgar Allan Poe em seu conto “William Wilson”, que comprovadamente leram Hoffmann.

Os elementos fantástico, gótico e detetivesco estão todos em Os elixires do Diabo, também. Características do Romantismo, período a que essa obra se vincula, aparecem em abundância, como na personagem feminina Aurélia, elevada ao status de santa e salvadora; e na presença constante da figura diabólica, mefistofélica, o que em parte, aliás, aproxima a obra ao Fausto de Goethe, autor contemporâneo a Hoffmann.


Os elixires do Diabo comporta muito. Estejam seus constituintes em plena excelência de forma ou em moldes embrionários, fato é que a força da realidade entra em contato com o poder da imaginação, o terreno liga-se ao excelso, e o resultado é uma polifonia que representa a vida como só os clássicos conseguem-na representar. Livro para ler, reler e colocar na lista de livros favoritos de nossos autores prediletos.

O autor


Ernst Theodor Wilhelm Hoffmann nasceu em Königsberg, na Prússia Oriental, em 1776. Desenvolveu carreira como jurista, atuando em tribunais de apelação em Berlim e em Varsóvia. Mas desde cedo já demonstrava inclinação para as artes, como pintura, teatro e, sobretudo, música clássica (era admirador de Mozart, de quem adotou o nome Amadeus em substituição a Wilhelm), passando a dedicar-se a tais paixões de modo integral a partir de 1808.


Foi homenageado por Jacques Offenbach com a ópera Os contos de Hoffmann, baseado em três histórias do autor. De saúde permanentemente frágil, agravada pelo abuso de álcool, ele seguiu produzindo até o fim da vida, inclusive ditando a um escriba quando sua condição motora já estava comprometida por uma paralisia progressiva que se mostraria fatal. Faleceu de forma precoce em 25 de junho de 1822, aos quarenta e seis anos de idade.


Por esta casa, tem publicados o romance Reflexões do gato Murr (2013) e a coletânea O reflexo perdido e outros contos insensatos (2017).

A tradutora


Maria Aparecida Barbosa é professora do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da Universidade Federal de Santa Catarina. Possui mestrado e doutorado pela mesma instituição. Estudou, organizou e traduziu obras de autores de expressão alemã como Kurt Schwitters, Carl Einstein, Walter Benjamin, Ivan Goll, além do estudo de uma carreira inteira sobre E.T.A. Hoffmann, cujos frutos, entre outros, são as traduções anotadas de Reflexões do gato Murr e O reflexo perdido e outros contos insensatos, mais este Os elixires do Diabo, todas publicadas pela Estação Liberdade.

Trechos

 

Nesta caixinha encontra-se portanto um dos frascos com um elixir do Diabo e os documentos são tão autênticos e exatos, que não deixam dúvida de que a garrafinha foi realmente encontrada entre os pertences legados por Santo Antônio após sua morte. Inclusive posso lhe assegurar, caro irmão Medardo, que sempre quando toco o frasco, ou somente a caixinha onde ele está guardado, tenho experimentado um estremecimento secreto e inexplicável; sério, chego a imaginar estar inalando a essência de um perfume singular que me aturde e ao mesmo tempo excita meu espírito a ponto de me distrair da devoção. Nessas ocasiões, supero esse estado de ânimo ruim, que evidentemente procede de algum poder sobrenatural hostil, chego a pensar na influência de Satanás, com orações persistentes. [pp. 47-48]


Tive enfim a ideia de orarmos juntos, pois em oração o fogo do fervor se faz mais ardente, desperta e faz emergir instintos recônditos, e esses se estendem como se sobre vagas bramantes semelhantes a tentáculos de pólipos, a fim de silenciar o inominável anelo que cinde a alma. Ao terreno, fingindo-se celestial, se torna possível afrontar o ânimo exaltado com a promessa de se cumprir cá na Terra infinitamente o que o exalta; êxtases sagrados e divinos se misturam à aspiração que se lança rumo aos céus, para além das esferas, e a rompem, desvelando encantos jamais imaginados de desejo terreno. [p. 96]


E senti um golpe de força gigantesca na nuca. Era Hermoge! Reuni todas as energias, consegui enfim me soltar, queria fugir, de novo ele me agarrou por trás, destroncando minha nuca com dentadas vigorosas! Em vão me debati durante muito tempo, louco de dor e fúria. Com um forte empurrão, me livrei dele. Quando tentou me atacar de novo, eu puxei minha faca. Duas facadas apenas e seu corpo tombou pesado no solo, estertorando tanto que reverberou pelo corredor. Para lá, quarto afora tínhamos nos arrastado em afoito combate.

Tão logo Hermoge caiu, eu desci correndo as escadas, possuído por exaltação selvagem; foi quando vozes estridentes berraram e se fizeram ouvir por todo o castelo:

— Assassino! Assassino!” [p. 103]

 

— Basta de tolices, Schönfeld! — impacientei-me bruscamente. — Basta de tolices!

— Aqui na Itália meu nome é Pietro Belcampo! — interrompeu-me, colérico. — Pietro Belcampo! E saiba, Medardo: eu sou a própria loucura que o persegue sem cessar por todas as partes, a fim de amparar sua razão. Queira você reconhecê-lo ou não, apenas na loucura recuperará saúde, pois a razão é uma condição miserável, estreita em si, ela pende de um lado ao outro igual a uma criança frágil, prescinde da sustentação, do tempero da loucura, que a ajuda a se orientar no bom caminho, nós dois enveredamos pelo caminho certo e viemos parar no hospício, irmão Medardo! [p. 273]

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