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terça-feira, 25 de novembro de 2025

Em romance distópico, a autora nipo-brasileira Verônica Yamada aborda a sobrecarga emocional e corporal das mulheres na contemporaneidade

 

“Tempos Amarelos” traz em sua narrativa questões sobre o corpo feminino exausto, a herança do silêncio e a potência da cura entre mulheres racializadas.

Eu sempre acreditei que a literatura tem poderes; que é mágica, bela e generosa. Com Tempos amarelos, entendi que ela também é capaz de curar almas feridas e de proporcionar bons e vitais encontros.

Marina Yukawa, escritora e jornalista, é organizadora do Clube de Leitura Escritoras Asiáticas e faz parte do Coletivo de Escritoras Asiáticas e Brasileiras.


Em sua primeira obra do gênero healing fiction, a escritora e médica  Veronica Yamada mergulha na experiência de ser mulher, racializada e exausta em um mundo que exige produtividade acima da vida. “Tempos Amarelos” (Editora SEDAS, 136 págs.) é uma ficção distópica que se transforma em narrativa de cura ao acompanhar a trajetória de Marina, uma mulher nipo-brasileira que colapsa diante da pressão social e familiar para ser perfeita, eficiente e incansável.


Marina é o retrato de tantas mulheres que, atravessadas por expectativas de gênero e raça, adoecem em silêncio. A protagonista vive em um futuro próximo em que a produtividade é monitorada por relógios que medem a energia vital. Para não interromper o trabalho, ela ignora necessidades básicas como sono, alimentação e até o próprio corpo — usando uma sonda urinária para continuar produzindo. O esgotamento extremo a leva ao “battery-out”, termo introduzido no livro que representa um colapso físico e mental que a lança em um estado de inconsciência.


Enquanto Marina mergulha na inconsciência após seu “battery-out”, conhecemos Kaue, um homem que desperta de um coma iniciado após um acidente aos 18 anos. Agora com mais de 30, ele precisa reaprender a viver em um mundo transformado. Ao ver o corpo desacordado de Marina no mesmo hospital em que está internado, Kaue, que também tem origem nipônica, passa a encontrá-la em um espaço onírico, compartilhado durante o sono.


Para a autora, o romance mostra a importância de revisitar as origens para superar dores profundas. “Nunca existe apenas escuridão, vazio e dor. Mesmo que você não enxergue na hora, existe luz no fim do túnel.” Enquanto Kaue enfrenta o desafio de reconstruir sua vida desperto, Marina é guiada, em seu estado inconsciente, por uma figura enigmática semelhante a um corvo sem asas, que a leva a questionar suas certezas.


Burnout: o sintoma de um sistema que a cada vez mais explora e exaure 


O Brasil é o segundo país com mais casos de burnout no mundo, atrás apenas do Japão. E as mulheres, especialmente as racializadas, são as mais afetadas. Verônica Yamada, que já enfrentou episódios de burnout, transforma sua vivência em literatura. “Queria mostrar que ninguém escolhe adoecer. Somos empurradas para isso por um sistema que exige que sejamos fortes o tempo todo”, afirma.


A autora também questiona os estereótipos impostos às mulheres asiáticas — vistas como submissas, discretas e hipercompetentes — e como essas imagens contribuem para o silenciamento de suas dores. “A maioria das famílias amarelas investe muito em educação, mas são frias emocionalmente. Isso gera um sentimento de abandono, especialmente nas filhas”, diz.


Healing fiction como ferramenta de cura e empoderamento


Ao escolher o gênero healing fiction, Verônica propõe uma ruptura com a lógica da tragédia como único destino possível para mulheres que sofrem. “Tempos Amarelos” oferece um final esperançoso, sem ignorar a dor, mas apostando na possibilidade de reconstrução. “Desta vez, me permiti escrever um final feliz. Isso também é um ato de resistência”, afirma.


A narrativa transforma o corpo feminino em território político: Marina enfrenta distúrbios alimentares, revive violências simbólicas e afetivas, e encara a culpa — personificada por um cachorro de sua infância — como herança de uma educação patriarcal. A figura de um corvo sem asas, que a guia em sua jornada inconsciente, simboliza a sabedoria ancestral feminina que ressurge para ajudá-la a se libertar.


Da medicina à ficção sobre trauma e cura


Verônica Yamada é médica oftalmologista, escritora e editora. Nascida em São Paulo, viveu parte da infância no Japão e no interior paulista. Começou a escrever após um burnout que a afastou do trabalho por dois meses. Desde então, tem se dedicado a explorar, em diferentes gêneros, as dores e potências das mulheres.  


“Tempos Amarelos” é sua primeira obra de healing fiction, e marca uma virada em sua trajetória literária. Ao dar voz a uma mulher racializada que ousa parar, sentir e se curar, Verônica convida leitoras a fazerem o mesmo: desacelerar, olhar para dentro e reivindicar o direito ao cuidado — de si e das outras.


Confira um trecho do livro:

“Marina secou suas lágrimas e se pôs a pensar. Ela havia saído cedo da casa dos pais, porque queria ter seu próprio cantinho. Um lugar onde não sentisse a necessidade de agradar o tempo todo, onde não precisasse olhar para os pais e se lembrar de que eles não a amavam tanto quanto amavam seu irmão.”


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