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terça-feira, 15 de outubro de 2024

"Ao me moldar e me adequar a uma sociedade patriarcal, deixei de expressar meu jeito de viver a vida"

 No livro "Santa ou Put*?", a professora e pedagoga Maria Luiza Wiederkehr transforma sua história em um apelo pela liberdade das mulheres

Apesar dos diversos avanços na discussão sobre os direitos das mulheres, as cobranças e preconceitos ainda persistem. A pluralidade da experiência feminina continua sendo colocada em rótulos como “empática” ou “interesseira”, “cuidadosa” ou “negligente”, “comportada” ou “barraqueira”.

A vontade de questionar essas dualidades e complexificar as vivências da mulher levou a professora e pedagoga Maria Luiza Wiederkehr a recontar sua própria trajetória no livro Santa ou Puta?. Na combinação de relatos pessoais, poemas, desenhos e até receitas, a autora incentiva leitoras a se desapegarem de papéis e conceitos pré-concebidos para viverem uma vida mais autêntica.

Na entrevista abaixo, ela fala sobre seu processo de escrita e algumas das inquietações que motivaram a obra:

1. “Santa ou Puta?” é um livro que combina textos poéticos e em prosa com ilustrações feitas à mão, de sua autoria. Como você chegou a este formato para o livro?

Maria Luiza Wiederkehr: O formato surgiu dessa vontade de viver de uma maneira menos racional. Acredito que, para termos um mundo mais feminino, teremos que perceber maneiras diferentes de pensar e realizar. O pensamento feminino permite várias alternativas. Vemos o mundo como uma oportunidade de viver e não como um problema com apenas duas possibilidades.

Como mulher, me vejo sempre buscando alternativas e oportunidades. Está no nosso DNA e, por isso, resolvi escrever um livro com pouca forma e várias possibilidades, em busca de um pensamento menos sequencial e racional. As ilustrações feitas de próprio punho, por exemplo, sugerem que precisamos buscar mais tempo, momentos de reflexão, lazer e dispersão através de atividades lúdicas, como desenhar a mão, para que os pensamentos livres e os devaneios tenham espaço e tempo para embalar a criatividade e o pensamento mais feminino.

Por isso quero ir em busca de novas formas de escrever e expressar, assim exercitaremos um novo jeito de representar o que pensamos. Mais cor, mais ilustração, menos forma e mais liberdade de expressão.

2. Além de suas experiências pessoais, que outros aspectos da sua vida influenciaram o livro? O quanto que sua experiência como pedagoga, professora e artista foi importante para seu processo de escrita?

MLW: Compreendi que, ao me moldar e me adequar a uma sociedade patriarcal, deixei de expressar — ​​e muito — meu jeito de ver e viver a vida. Como pedagoga e professora em diferentes níveis de ensino, percebi o quanto a forma racional de viver castra e frustra as oportunidades de buscar novas maneiras de pensar. Na Educação, busquei diferentes formas de apresentar e desfrutar conhecimentos, assim como ambientes diferenciados e experiências inovadoras, onde o sabor da descoberta fosse o melhor prazer que alguém pode dar a si mesmo.

Uma educação, um jeito atraente de aprender, uma liberdade para que o outro encontre seus caminhos e descobertas. Sem dar a resposta certa, vamos juntos em busca de um aprendizado através do sabor de descobrir o próprio poder e o tesão por compreender a experiência de aprender. Todos têm essa vontade, basta que em primeiro lugar sintam-se donos de si mesmos em busca de novas vivências.

Como mãe, usei a mesma estratégia e vejo que meus três filhos são bem-sucedidos, donos dos seus próprios sonhos.

Criei meus filhos e, com 30 anos, arquitetei como sair de uma relação ruim da maneira menos traumática e com um trabalho que me permitisse ter liberdade para encontrar meus próprios caminhos. Depois de um tempo já separada, me senti forte, mas não para contar minha história enquanto vítima.

É incrível poder contar sobre esses momentos que vivi, num relato como esse. Poucos sabem sobre isso, mas o livro me ajudou a entender que, para buscar minha liberdade, eu precisava encarar a vida de maneira a me valorizar. Me descobrir como mulher, reconhecer meu valor e poder.

3. Para você, o quão importante é que mulheres compartilhem suas experiências, seja na literatura ou em outras formas de arte?

M.L.W.: Estamos nos descobrindo no Mundo + Feminino. Até então, as mulheres aprenderam a viver e ter suas conquistas num mundo dominado por homens. A arte traz a oportunidade de mostrarmos nosso processo criativo, de uma maneira diferenciada, + feminina.  Ela permite a expressão do que é feminino, independente do gênero. Parir, menstruar, gestar, gerar são poderes femininos. A partir da liberdade de criação, podemos nos expressar e transformar a arte num instrumento que traduza esses poderes, para um mundo mais feminino.

Por isso meu próximo livro será ainda mais desestruturado, mais livre, longe de formalidades racionalizadas, que colocam ordem, no processo de criar. Criação é liberdade de expressão, daquilo que nutre, cria, gesta. Com certeza diferente do que temos hoje como padrão de expressão.

4. É possível dizer que o público principal do livro é formado por mulheres, mas os sentimentos e experiências relatados não estão restritos a elas. Como você quer que “Santa ou Puta?” fosse recebido pelo público masculino?

M.L.W.: Esta é uma das melhores perspectivas do livro: mostrar para os homens o nosso jeito de viver. Mulheres enxergam oportunidades onde homens veem problemas. Muito mais do que as mulheres, os homens vivem com o seu “lado feminino” reprimido por um comportamento que exige demonstrações de masculinidade, sem permitir que a feminilidade aflore. Essa feminilidade está em todos os seres humanos, assim cantaram Pepeu Gomes e Baby Consuelo em 1983, na música “Feminino e Masculino”: “Ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino, se Deus é menino e menina, sou masculino e feminino”.

5. Na obra, você defende um mundo mais feminino e autêntico. Como você acredita que a ligação com o feminino pode impactar a vida das pessoas? Que mudanças podem ocorrer a partir desse processo?

M.L.W.: Um mundo mais feminino pode ser um mundo com outras alternativas, sem o foco no problema, e sim em oportunidades de viver com mais equilíbrio, menos conflitos e menos guerras. Não vejo como uma visão idealista. O que pude observar em comunidades matriarcais que visitei e pesquisei é que as mulheres buscam alternativas para salvaguardar seus filhos, com posturas agregadoras e coletivistas. Não será fácil tirar ou mudar nosso comportamento das imposições das sociedades patriarcais.

As estatísticas já indicam uma crescente maioria do número de mulheres, e, consequentemente, mais delas em cargos de liderança, o que deve influenciar na busca de um pensamento coletivista, interativo, com comportamentos femininos.

6. Na sua perspectiva, como será um futuro mais feminino? O que precisa ser feito hoje para chegarmos em um futuro com mais autenticidade e sensibilidade?

MLW: Há dois meses, estive nas Olimpíadas de Paris, onde houve um acordo com as mídias para que as mulheres tivessem projeção igual à dos homens, o que não aconteceu nas Olimpíadas anteriores. As estatísticas mostraram que foi o maior número de mulheres participando, correspondendo a 51% do número de participantes, e isso trouxe a maioria também de resultados e recordes obtidos.

Foi possível observar como o ambiente competitivo fica diferente. Ele fica mais acolhedor, coletivista. s mulheres transformaram os ambientes olímpicos em locais mais felizes e colaborativos.

Fica aqui meu trabalho e esforço para escrever, fortalecer e questionar, junto com outras mulheres e homens, como vamos buscar a oportunidade de viver de uma maneira equilibrada, como seres humanos, com nossos espíritos femininos e masculinos, de forma mais autêntica.

Sobre a autora: Maria Luiza Wiederkehr é pedagoga, professora e conselheira de carreira e vida. Especialista em Desenvolvimento, Educação e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná, é também pós-graduada em Marketing. O amor pelas artes a permitiu explorar seu lado mais criativo, como compositora de músicas infantis, ilustradora, desenhista em lápis de cor e escritora. Santa ou Puta? - Vênus de mim, um autorretrato é seu livro de estreia, sobre liberdade e coragem feminina. Morou e trabalhou na Amazônia, atuando em universidades e diferentes comunidades indígenas e ribeirinhas

Redes sociais da autora:
Instagram: @marialuizawescritora
Facebook: /marialuiza.wiederkehr


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