As pernambucanas Janielly Azevedo e Ailce Moreira viram seu mundo cair ao não alcançar a quantidade de votos necessárias para ocupar uma cadeira no Legislativo Brasileiro nas últimas eleições. Mesmo assim, não pararam de trabalhar um minuto para ressignificar essa derrota, transformando-a em aprendizado para os próximos pleitos.
Janielly é ex-candidata a deputada federal, preta, mãe, estudante de jornalismo na UNICAP e participante ativa na política, no cargo de presidente do diretório municipal de Jabotão dos Guarapares. Já Ailce, de ascendência negra e indígena, é evangélica, artista, progressista e foi candidata à deputada estadual, lutando pelo alcance da justiça, da dignidade humana e da vida plena para toda a sociedade.
Outro exemplo de superação é da ex-candidata ao Governo tocantinense pelo PSOL, Karoline Chaves. Advogada especialista em direitos das mulheres e pessoas LGBTIs, estudos latinoamericanos e desenvolvimento regional, Karoline participa ativamente na política pela Rede Candaces e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, focando no combate a homofobia.
O que as três têm em comum? A seleção para participar do projeto social d'A Tenda das Candidatas, criada especialmente para as mulheres em vulnerabilidade, que não conquistaram uma cadeira nas últimas eleições para o Legislativo e Executivo no Brasil.
O projeto
Ao todo, 17 brasileiras vêm buscando uma virada de chave com a formação “Pós-Eleições para não eleitas”, realizada pela A Tenda das Candidatas, desde outubro. Em uma analogia à letra “Volta Por Cima”, de Paulo Vanzolini, elas tentam levantar, sacudir a poeira e buscar novos conhecimentos e apoio emocional para encarar as próximas disputas.
Permitir que candidatas mulheres ressignifiquem o termo “derrota nas urnas” é um dos principais desafios dos encontros semanais promovidos pelo projeto. As aulas, que ocorrem de forma online e gratuita, tiveram início em novembro e terminam agora em janeiro.
Como explica Hannah Maruci, doutoranda e mestra em Ciência Política na Universidade de São Paulo e uma das fundadoras d'A Tenda das Candidatas, o período eleitoral é uma maratona para todas as pessoas, um processo que esgota as energias de várias formas.
“No caso das mulheres, sobretudo as negras, LBTQIAP+, indígenas, quilombolas, PCDs e mães, essa experiência pode ser traumatizante”, acrescenta ela, lembrando da importância de dar voz e abrir portas para esse público historicamente negligenciado.
Hannah conta que, embora a A Tenda das Candidatas ofereça desde 2020 uma preparação às mulheres que vão disputar uma vaga na política, é a primeira vez que o projeto seleciona veteranas dessa maratona. Nessa edição especial da formação, foram escolhidas apenas 17 ex-candidatas – ou “atendidas”, como preferem ser chamadas – para que cada uma tivesse uma consultoria personalizada.
Além de ter concorrido nas últimas eleições, outros critérios foram levados em consideração nessa escolha, seguindo as diretrizes do projeto social: combater as desigualdades racial e de gênero nos cargos do Poder Legislativo e Executivo, pela inserção do público feminino na política, priorizando, inclusive, as negras e indígenas.
Ailce Moreira acredita que “coletivamente, é possível construir outros mundos melhores e possíveis”. Para Janielly, “vivenciar a oportunidade de seguir em frente, depois de um baque, é essencial para que as mulheres continuem nesse meio tão desigual e violento”. Já Karoline afirma que "essa oportunidade foi essencial para continuar lutando por um Brasil melhor".
Por esse motivo, suas fundadoras decidiram focar os esforços nas “não eleitas”, trazendo às aulas diversos temas necessários para o êxito nessa trajetória, incluindo desde questões práticas (como auxílio para a prestação de contas da campanha) até situações mais complexas, como o apoio psicológico para vítimas de violência sofridas durante a disputa.
Para a advogada Laura Astrolabio, co-fundadora da A Tenda das Candidatas, abrir essa oportunidade às candidatas não eleitas também é uma forma de mudar a regra do jogo.
“O período pós-eleições é extremamente crucial para a retenção de lideranças no processo eleitoral, pois se uma candidata passou por essa experiência, mesmo não se elegendo, ela já pertence a um quadro mais forte para as próximas eleições”, afirma.
Conta Desigual - Além de formação de mulheres para a política, a Tenda das Candidatas atua na divulgação de estudos e análises sobre as desigualdades nas eleições, como fez na recente campanha “A conta não fecha”, quando denunciou a sub-representação de gênero e raça nos cargos dos poderes Legislativo e Executivo do País.
Mulheres somam 53% do número de eleitores no Brasil, mas são apenas 15% do Congresso, ou 15 mulheres num universo de 81 senadores. No caso das mulheres negras, elas representam 2,5% das cadeiras na Câmara dos Deputados e, no Senado, ocupam só 2 das 54 vagas na atual legislatura.
“A política eletiva tem uma estrutura de exclusão complexa que atua para expulsar mulheres, ao negar uma fonte de recursos que as impede de fazer uma campanha digna. Infelizmente, o fundo eleitoral no Brasil tem gênero e têm cor”, conclui Laura.
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