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Em “Terras Submersas”, o escritor mineiro Lincoln de Barros recria relatos reais ligados à Usina de Cana Brava em narrativa de ficção social “Muitos são os que lucram com o dito progresso. Maior ainda é o número dos desamparados e sem chão, dos desalojados de suas terras e de suas atividades. Entre a implacável roda da “máquina do mundo” e o desalento angustiado dos injustiçados estão os que apartam, mediam e tentam minimizar os efeitos perversos da tragédia. Mais do que livre denunciante com estofo de experiência, o autor se atira na literatura para contar, com polimento e maestria, como a justiça apenas se insinua para aqueles que não são capazes de comprovar a própria existência.” Trecho do texto de orelha do livro, assinado pelo escritor e artista plástico João Novais O romance “Terras Submersas” (editora Mondru, 168 págs.), livro de estreia do mineiro Lincoln de Barros, expõe a perversidade da expropriação de comunidades inteiras em nome de grandes obras públicas. Ambientada na região da Usina Hidrelétrica de Cana Brava, entre os municípios de Minaçu e Cavalcante (GO), a narrativa escancara a negligência com que moradores e trabalhadores das áreas alagadas foram tratados. Misturando ficção e relatos reais, o autor constrói um romance contundente que indigna ao retratar injustiças sociais pouco visibilizadas no país. Para Lincoln, o livro aborda uma forma agressiva de expansão capitalista recorrente no Brasil: “Temos como exemplos recentes as tragédias de Mariana e Brumadinho”, afirma, em referência aos rompimentos das barragens ocorridos em 2015 e 2019, respectivamente. Ao mesmo tempo, ressalta que a narrativa parte do ponto de vista de quem vivenciou as perdas práticas e simbólicas: “É a história contada por quem ainda não venceu — com ênfase nesse ainda”. A obra nasce diretamente da trajetória profissional do autor. Lincoln foi auditor em um processo envolvendo a própria Hidrelétrica de Cana Brava, exercendo função semelhante à de seus personagens centrais. “A escrita foi desenvolvida a partir da documentação que guardei: registros de depoimentos, fotos e arquivos, além de pesquisa posterior sobre os acontecimentos”, revela. Dividido em nove capítulos, “Terras Submersas” tem início com a ocupação da sede de um banco, na capital federal, pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). O protesto resulta na realização da Auditoria, o que leva os consultores a viajar até Goiás para apurar as denúncias do movimento. No processo, eles se deparam com a dimensão concreta da tragédia e com o descaso de empresas e órgãos oficiais frente aos impactos sociais e emocionais provocados pela construção da usina. Os capítulos mais arrebatadores são aqueles que dão voz direta às vítimas: homens e mulheres que perderam suas casas, suas terras e seus meios de subsistência. Com linguagem sensível e precisa, Lincoln descreve o estado emocional dessas pessoas — uma mistura constante de esperança e desesperança — e compartilha o impacto que essas histórias lhe causaram: “Fui profundamente tocado pelos relatos dessas pessoas que tinham perdido tudo: terras, casa, trabalho e sonhos”. De balconista de farmácia a escritor de romanceLincoln de Barros nasceu e vive em Belo Horizonte (MG) e, aos 78 anos, estreia na ficção após uma trajetória profissional singular. “Na juventude fui balconista de farmácia, motorista de táxi, aprendiz de ator, professor de Filosofia e sindicalista, entre outras experiências”, enumera. É formado em Filosofia (1978), especialista em Análise de Sistemas (1978) e mestre em Administração Pública (1997). Atuou durante quatro décadas no setor de tecnologia da informação e comunicação, na maior parte na administração pública. Paralelamente à carreira corporativa, Lincoln construiu um sólido trabalho como consultor em projetos socioeconômicos, tendo trabalhado vários anos em projetos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Entre estes, participou da equipe de Auditoria Social do Plano de Reassentamento da Usina Hidrelétrica de Cana Brava, experiência que deu origem a “Terras Submersas”. A oportunidade da escrita literária surgiu apenas em 2020. Até então, seus escritos se limitavam a produções técnico-políticas e publicações em revistas especializadas da administração pública. Durante a pandemia, com o isolamento social, mergulhou definitivamente na escrita literária. O lançamento do romance, segundo o autor, materializa um projeto acalentado por muitos anos: “Ver o livro pronto é uma realização pessoal muito importante”. Trecho de “Terras Submersas” (p. 45)“Olho para ele novamente e o que vejo, de repente, é um ser de duas dimensões, um pequeno proprietário expropriado de seu modo de vida, submisso e indefeso diante da força da ocupação do capital, um senhor maduro, de face e modos rústicos, aparentando ser bem mais velho do que a idade anotada na sua ficha, mas que a imaginação insiste em transportar para a margem de um riacho esperto, sol a pino, os seixos brilhando sob a água cristalina, debruçado girando uma bateia num remanso barrento, recolhendo pequenas faíscas amarelas. Alguém que tem esperança da reconciliação de duas dimensões temporais e sabe ao mesmo tempo de sua impossibilidade. onde era o quintal, a cerca, o ingazeiro, a casa.” Ficha técnicaTítulo: Terras Submersas Autor: Lincoln de Barros Editora: Mondru Páginas: 168 Adquira em: | |
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