Mangás, clássicos e obras plurais dividem preferências da população de oito territórios dos extremos da capital, região metropolitana e litoral sul;
Público é majoritariamente feminino e atento à diversidade de vozes literárias, com a escolha de autoras como Audre Lorde, Conceição Evaristo e bell hooks.
Leitora de Brasilândia com o clássico “Quincas Borba”, de Machado de Assis. Foto: divulgação
São Paulo, agosto de 2025 - Um retrato surpreendente da cena literária nas periferias paulistas emerge de um estudo inédito realizado entre janeiro de 2024 e junho de 2025: mulheres jovens lideram o ecossistema de leitura, representando 70% do público nas oito unidades das Fábricas de Cultura analisadas – índice que supera a média nacional de mulheres leitoras (61%). A pesquisa da Organização Social Poiesis, responsável pela gestão das unidades do programa da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, revela ainda uma média mensal de 197 empréstimos por biblioteca em 2024, com forte presença de mangás, interesse por literatura negra, LGBTQIAPN+ e indígena, além da convivência entre clássicos e best-sellers contemporâneos.
O diagnóstico, que analisou hábitos de leitura de frequentadores das bibliotecas das Fábricas de Cultura em Brasilândia, Capão Redondo, Diadema, Iguape, Jaçanã, Jardim São Luís, Osasco e Vila Nova Cachoeirinha, mostra uma diversidade que desafia estereótipos. Nas prateleiras desses territórios da capital, região metropolitana e litoral sul, as sagas japonesas de One Piece e os contos de horror de Junji Ito dividem espaço com Dostoiévski e Shakespeare.
Essa coexistência desafia noções ultrapassadas de “formação de repertório”, prova que o gosto literário nas periferias não é homogêneo e muito menos previsível. Nos territórios de Brasilândia, Iguape e Jardim São Luís, os mangás aparecem entre os mais lidos. Já autores como Fiódor Dostoiévski (Noites Brancas), Virginia Woolf (Orlando) e William Shakespeare (Macbeth e Otelo) figuram igualmente no topo das listas de Iguape e Capão Redondo, o que revela o interesse no contato com diferentes culturas e temas complexos, como identidade, preconceito, saúde mental, filosofia e política.
Leitor na biblioteca da Fábrica de Cultura Brasilândia. Foto: divulgação
A pluralidade se estende às obras de autores racializados e periféricos, com títulos como Rei de Lata de Jefferson Ferreira e Olhos d’Água de Conceição Evaristo, que circulam intensamente em Osasco e Jaçanã. Essa riqueza de escolhas reflete o modelo de curadoria coletiva das bibliotecas, em que 38% do acervo é renovado mensalmente a partir de sugestões dos frequentadores, o que favorece a representatividade de vozes negras, indígenas e LGBTQIAPN+.
O protagonismo feminino reflete-se claramente nas escolhas literárias. Obras como Irmã Outsider de Audre Lorde, Canção para menino grande ninar de Conceição Evaristo e Tudo sobre o amor de bell hooks estão entre as mais buscadas e revelam um interesse por narrativas de empoderamento que ecoam as realidades dessas leitoras.
Ifé Rosa, Coordenadora Artístico-Pedagógica das bibliotecas, observa que “as escolhas dos leitores mostram como as Fábricas de Cultura são equipamentos estratégicos para ampliar o acesso ao livro”. Ela destaca que “a diversidade do acervo, com narrativas que representam diferentes experiências, evidencia a potência desse público que encontra programação conectada às suas realidades”.
Essas leituras coexistem com best-sellers como A Biblioteca da Meia-Noite (Matt Haig), um dos livros mais procurados no Brasil no primeiro semestre de 2024; e Diário de um Banana (Jeff Kinney), série de quadrinhos com mais de 15 publicações; preferidos também nos territórios de Jardim São Luís, Brasilândia, Iguape, Diadema, Osasco, Vila Nova Cachoeirinha.
Fábricas de Cultura: curadoria coletiva e acervo vivo
Os números ganham relevância ao se contrastar com o cenário nacional: enquanto apenas 53% dos brasileiros são considerados leitores, conforme a pesquisa Retratos da Leitura (2024), as Fábricas de Cultura mantêm fluxo constante de empréstimos. O conceito de “Biblioteca Viva” – espaços dinâmicos de convivência, aprendizado e articulação comunitária – explica parte desse sucesso.
As bibliotecas das Fábricas de Cultura também desenvolvem ações culturais que integram a literatura ao cotidiano de forma acessível, afetiva e transformadora, especialmente para um público majoritariamente oriundo da rede pública de ensino. Oficinas criativas, rodas de conversa, mediações, produções artísticas e debates partem diretamente do acervo literário, ampliam o repertório cultural dos frequentadores e insere o livro no centro das experiências vividas nesses espaços.
“Ao conectar as programações com o acervo, as bibliotecas promovem o acesso a diferentes gêneros e estilos literários de forma lúdica, crítica e afetiva. Essa prática ajuda a romper barreiras simbólicas no acesso ao livro e fortalece a leitura como linguagem de desenvolvimento pessoal, criativo e cidadão”, afirma Izaias Junior, Analista Artístico-Pedagógico Sênior de Bibliotecas das Fábricas de Cultura.
Os espaços também são polos de articulação comunitária e centros culturais periféricos. Parcerias com escolas públicas, Centros para Crianças e Adolescentes (CCAs), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e coletivos locais ampliam o impacto desses equipamentos que, na contramão da elitização de muitos espaços de cultura, reafirmam o direito ao acesso ao livro e à leitura.
Territórios analisados abrangem capital, região metropolitana e litoral do estado de São Paulo.
Foto: divulgação
Dados analisados
Ao longo de 2024, as oito bibliotecas analisadas registraram uma média de 197 empréstimos por mês por unidade, somando cerca de 2.487 empréstimos anuais em média. No primeiro semestre de 2025, essa média mensal foi de 136 empréstimos por unidade, com uma estimativa de mais de 2.280 empréstimos por ano. Vale destacar que os dados deste ano estão sujeitos a variações sazonais e serão computados mais adiante..
Sobre o Programa Fábricas de Cultura
As Fábricas de Cultura da zona norte e sul de São Paulo, Diadema, Osasco e Iguape - Programa da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, e gerenciado pela Poiesis - são espaços de acesso gratuito que colaboram na ampliação do conhecimento cultural por meio de diversas atividades artísticas e formativas.
Sobre a Poiesis
A Poiesis é uma Organização Social de Cultura que desenvolve e gere programas e projetos, além de pesquisas e espaços culturais, museológicos e educacionais, voltados para a formação complementar de estudantes e do público em geral. A instituição tem o propósito de oferecer espaços de acesso democrático ao conhecimento, fomentar a criação artística e intelectual, e promover difusão da língua e da literatura.
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