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quinta-feira, 9 de setembro de 2021

No mês de combate ao suicídio, Eduardo Ramos conta viagem para curar depressão

 


“Cheguei ao limite extremo desse moedor de sanidade mental. Desenvolvi uma grave depressão, decorrente de muito estresse e ansiedade gerados por essa vida caótica,
sem sentido e vivida de forma pouco natural”. É assim que o escritor brasiliense Eduardo Ramos apresenta ao leitor, nas primeiras páginas de seu livro de estreia Conatus e as conotações do deserto que há em mim (Editora Autografia), o sentimento que o levou a pensar em tirar a própria vida. O tema ainda é tabu na sociedade, o que torna difícil identificar sinais e oferecer ajuda a quem precisa.
Ramos fala da experiência retratada no livro, onde relata um momento crucial vivido no deserto do Atacama quando esteve a um passo de tirar a própria vida. Ele é salvo por uma desconhecida que desaparece, fato que desencadeia uma busca desenfreada para encontrar a mulher misteriosa e a conexão com a própria existência.
Com uma narrativa envolvente, que mistura autobiografia e ficção, Eduardo Ramos coloca o leitor no cenário árido e enigmático do deserto, ao mesmo tempo em que discute os males da construção social que, muitas vezes, colabora com estatísticas negativas impactantes. De acordo com o relatório Suicide worldwide, da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, 700 mil pessoas tiraram a própria vida. Uma em cada 100 mortes no mundo ocorre por suicídio e esta é uma das principais causas de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
Entre os brasileiros, são cerca de 12 mil suicídios todos os anos e a covid-19 impõe um cenário ainda mais desafiador. Conforme dados de uma pesquisa global liderada pela Universidade Estadual de Ohio (EUA), o Brasil lidera índices de ansiedade e depressão na pandemia, quando comparado com outras dez nações.
“O que eu quis retratar é que temos uma sociedade doente, mas que nega a doença”, afirma o Eduardo Ramos. Compartilhando experiências pessoais, o autor desmistifica algumas questões e mostra, por exemplo, que por trás de uma rotina comum, podem estar indivíduos doentes. "A pessoa com depressão também sorri. A depressão não é só estar triste. É estar em sofrimento", diz.
Entender isso, conforme ele, colabora com o combate ao preconceito que ainda gira em torno da doença, ajuda familiares enlutados a não se culparem, além de servir de alerta para que as pessoas olhem para o outro com mais atenção.
Em sua batalha pessoal, Eduardo Ramos conta que é da filosofia do holandês Baruch Spinoza que traz o conceito de "conatus". Entre outras interpretações, a palavra significa a força empregada por qualquer ser para preservar e aprimorar a própria existência. Por meio do conatus e da ideia do Deus de Spinoza, que é a própria natureza, o autor reflete sobre a possibilidade do ser humano se adaptar e conviver melhor com os obstáculos da vida.

Alguém como eu e você

A obra é dividida em duas partes. A primeira é essencialmente autobiográfica. Conta a trajetória de vida dele. “A ideia no livro era mostrar que mesmo pessoas bem-sucedidas, como eu, podem desenvolver, através de uma sociedade doente, uma lógica distorcida da sua própria realidade”, descreve o autor. A segunda parte é ficcional:  por meio de uma misteriosa mulher, ele tem contato com diversos pensadores da história humana e com as ciências, onde foi apresentado ao Deus de Spinoza.
O autor faz uma crítica contundente ao sistema de recompensas que rege a vida das pessoas, falando inclusive do uso exacerbado das redes sociais e de como isso, por exemplo, pode levar à ansiedade, depressão e, em último caso, ao suicídio. “Estava vendo um show do David Gilmour, porque eu gosto muito do Pink Floyd, e as pessoas da plateia estavam com as mãos levantadas e assistindo ao mesmo show pela telinha do celular. Você tem a chance de estar ali, assistindo àquela apresentação incrível, e você fica limitado à telinha do seu celular, porque você precisa registrar, mostrar que estava lá. Isso é tão doentio, porque você deixa de aproveitar o momento ao vivo, sendo que, quando você estiver em casa, poderá assistir ao show novamente com amigos, desta vez sem a aura presencial”, reclama.
Para ele, essa necessidade de aceitação faz parte, cada vez mais, da vida em sociedade. “Eu falo muito disso: para uma sociedade formatada em recompensas, tem sempre uma “cenoura” na frente da boca, sabe? Então a gente fica ali à espera de uma retribuição, mesmo sendo migalha, para que haja o sentimento de pertencimento e aceitação. Isso é o suficiente para que se renuncie a todo e qualquer senso crítico. Satisfaz o ego quando se ganha o like do dia, por exemplo, mas se ninguém o der, você fica péssimo, porque fica frustrado”, pondera. 
Na parte final, o diálogo com a mulher misteriosa ajuda a racionalizar as coisas. Tanto que, agora, o próprio autor consegue falar de maneira aberta sobre o seu sofrimento. “Ele é único, pessoal e intransferível. Então, por mais que você tenha empatia, você não vai conseguir sentir a dor que a pessoa está sentindo. Uma pessoa que tem depressão, não necessariamente está triste, ela está sofrendo”. 
No caso de Eduardo, o próprio livro foi um pouco remédio. “Escrever pra mim é um ato terapêutico, porque escrever é mais ou menos você colocar pra fora tudo isso”. Em um mundo onde a depressão chama cada vez mais atenção, é importante notar como cada um consegue lidar com as suas dores.

Setembro amarelo

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organiza nacionalmente o Setembro Amarelo para debater e informar sobre depressão e saúde mental. O dia 10 deste mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

Serviço

Conatus e as conotações do deserto que há em mim

De Eduardo Ramos

Editora Autografia 

182 páginas 

Preço sugerido: R$ 46,90

ISBN 978-65-5943-684-2

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